O Recolhimento do Padre Júlio Lancellotti sob as Sombras da Polarização

Em um movimento que surpreendeu fiéis e seguidores da “Igreja em Saída” pregada pelo Papa Francisco, o Padre Júlio Lancellotti anunciou, neste domingo, o encerramento de suas transmissões de missas online e o afastamento por tempo indeterminado das redes sociais. A decisão, que ocorre sob a orientação da Arquidiocese de São Paulo, marca o silenciamento digital de uma voz que, para muitos, era o único elo entre a fé cristã e a realidade crua das calçadas paulistanas.
O Peso da Batina e o Rigor da Hierarquia
O anúncio não veio sem ruídos. Segundo apurações, a diretriz teria partido diretamente do cardeal-arcebispo Dom Odilo Scherer. Embora a Arquidiocese trate o caso como “âmbito interno”, o episódio expõe as tensões de uma instituição que busca equilibrar o ativismo social de seus párocos com a preservação de sua estrutura tradicional.

Lancellotti, conhecido por sua “pertença e obediência”, não contestou publicamente a ordem. Em nota, o pároco de São Miguel Arcanjo reafirmou sua fidelidade à Igreja, mas deixou uma metáfora poderosa durante sua última celebração: “Mesmo que a gente fique sem ar, vai aparecer um tubo de oxigênio”. Para o padre, o oxigênio é o amor de Deus, mas para seus críticos, a suspensão das redes é um balão de oxigênio para os ataques políticos que ele vinha sofrendo.
Um Alvo no Peito e no Feed
Não se pode analisar este recolhimento sem olhar para o retrovisor de 2025. O Padre Júlio tornou-se o principal para-raios de uma guerra cultural urbana. De tentativas de CPI na Câmara Municipal a ataques frontais do Executivo paulistano — que chegou a responsabilizá-lo pela expansão da Cracolândia —, o desgaste era evidente.
O afastamento das redes sociais, onde o padre acumulava mais de 2 milhões de seguidores, retira de cena um dos maiores denunciantes da “arquitetura hostil” e da aporofobia. Sem as lives dominicais, o alcance de sua mensagem sobre o atendimento à população de rua sofre um golpe técnico, reduzindo a visibilidade de uma causa que incomoda setores poderosos da metrópole.

O Que Fica Após a saída
Embora os boatos de sua transferência da Mooca tenham sido desmentidos, o “recolhimento temporário” de Lancellotti levanta uma questão central: a Igreja está protegendo seu sacerdote ou cedendo às pressões externas?
Enquanto o sinal da internet se apaga na Paróquia São Miguel Arcanjo, as missas presenciais continuam. O padre, que sempre preferiu o contato direto com o “povo de rua” ao brilho das telas, parece retornar à sua essência: o trabalho no asfalto, longe dos algoritmos, mas ainda sob a vigilância de uma sociedade profundamente fraturada.
O silêncio do Padre Júlio nas redes sociais é, ironicamente, um dos gritos mais altos sobre o estado atual da liberdade de atuação pastoral e política no Brasil.